A evolução na ciência da nutrição esportiva: dos Jogos Olímpicos da Antiguidade ao Século XXI

A evolução na ciência da nutrição esportiva: dos Jogos Olímpicos da Antiguidade ao Século XXI

A busca por um melhor desempenho físico através da alimentação já existia desde muitos anos antes de Cristo. Na China antiga, o imperador Shen-Nung, cuja dinastia durou cerca de 2700 anos a.C. já conhecia os efeitos estimulantes de uma infusão de chá com a erva ma-huang, utilizado para aumentar a capacidade de trabalho, já que as folhas desta erva contém altas concentrações de um estimulante chamado efedrina.

Os primeiros Jogos Olímpicos da Antiguidade também tiveram alguns fatos históricos curiosos relacionados à alimentação e nutrição dos atletas. Relatos de Philostratus por volta do ano 800 a.C. apontam que muitos atletas bebiam chás de várias ervas estimulantes e comiam certos cogumelos para aumentar o rendimento atlético. O grego Stynphalos, um ex-atleta que venceu duas vezes a corrida olímpica de longa distância, é considerado o responsável por introduzir a carne na alimentação do povo grego, por volta do quinto século a.C. Provavelmente ele foi um dos primeiros atletas a disseminar a crença que associa o consumo de proteínas ao melhor desempenho físico. Milo de Croton, um dos mais exitosos lutadores gregos, teria comido 9 kg de carne, 9 kg de pão e quase 9 litros de vinho num mesmo dia para aumentar sua força muscular!

Outro fato curioso aconteceu nos Jogos Olímpicos de 1904, quando Thomas Hicks foi medalhista de ouro na corrida de maratona (42 km) e não pôde receber sua medalha porque estava à beira de um colapso após a prova. Hocks enfrentou bastante calor (32°C) durante essa competição que teve apenas dois postos de água para os atletas se hidratarem. A sua suplementação durante a prova foi bem controversa, pois o atleta recebeu alguns ovos para comer, doses de conhaque para tomar e cerca de 1mg de estricnina, uma substância tão letal que posteriormente passou a ser utilizada como veneno contra ratos!

De fato, já há muitos séculos os atletas escutam diversos tipos de conselhos sobre o quê comer. Porém os estudos científicos em nutrição esportiva começaram nos laboratórios de fisiologia apenas no século XX. Os primeiros estudos foram realizados por volta de 1930 na Suécia, sobre o metabolismo de carboidratos e gorduras. Mas as pesquisas que realmente colocaram a nutrição esportiva em destaque entre atletas e treinadores datam aproximadamente do final dos anos 60, realizadas por pesquisadores escandinavos. Talvez o maior exemplo seja o clássico estudo que revelou a importância do glicogênio muscular, o carboidrato estocado no músculo, como combustível determinante para prolongar a duração do esforço e atrasar a fadiga (Bergstrom et al, 1967).

Com o desenvolvimento dos métodos de investigação, os cientistas puderam aprender como funcionam os diferentes tecidos e órgãos do organismo (músculo, tecido adiposo, fígado, rins, sistema circulatório, pâncreas) em resposta à demanda que o exercício físico traz. Provavelmente um dos primeiros produtos especialmente desenhados para atletas foi um isotônico elaborado por pesquisadores da Universidade da Flórida (liderados pelo Dr Robert Cade) para os jogadores de futebol americano, cujo nome foi em homenagem à mascote da Universidade, o Gatorade.

Nesse início de estudos, ciclistas e corredores eram os principais atletas avaliados, pelo risco que sofriam na queda do desempenho pela depleção (esgotamento) do glicogênio muscular. Por volta dos anos 70, os laboratórios começaram a estudar também militares e astronautas, pelo altíssimo rendimento exigido. As proteínas começaram então a ser incluídas nas pesquisas, apesar das dificuldades em associar seu metabolismo ao exercício físico especificamente, já que as proteínas estão presentes em diversas formas no corpo todo. Fisiculturistas e dietas hiperprotéicas passaram a ser testadas. As pesquisas agruparam os atletas em dois tipos: i) os atletas de força e musculação, cujo objeto de estudo foi principalmente a ingestão de proteínas; e ii) os atletas de endurance (aeróbios), cujo principal objeto de estudo foram os carboidratos.

No início dos anos 80, os fisiologistas descobriram que maratonistas e ciclistas de longa distancia tinham melhores desempenhos quando consumiam diariamente cerca de 8g de carboidratos por cada kilograma de peso. Isso equivale a cerca de 2500 kcal só de carboidratos para um atleta de 80 kg. Porém as dúvidas cresceram ainda mais. Como consumir toda essa quantidade de carboidratos? Em quais alimentos e bebidas encontrá-los? Uma dieta tão rica em carboidratos não prejudicaria a saúde e desequilibraria o consumo de outros nutrientes? De fato, é a partir desse momento que se reconhece a importância da parceria entre nutricionistas e especialistas do esporte, especificamente para a tradução do conhecimento técnico científico na aplicação prática.

A descoberta da importância do momento da ingestão dos nutrientes para assegurar o melhor desempenho também é um marco importante na história da nutrição esportiva. Até os anos 90, todos se preocupam muito sobre “o quê” e “quanto” um atleta deve comer. A partir de alguns estudos que analisaram as respostas hormonais e o funcionamento do músculo em diferentes momentos do metabolismo, a dimensão do “quando” passou a ser incluída na nutrição esportiva. A denominada “janela metabólica” foi descoberta, conhecida como o período no qual o músculo, ávido por nutrientes, tem o potencial máximo para crescer e ficar mais forte, recuperar-se de lesões e repor os nutrientes queimados. Essa janela dura apenas alguns minutos, do pós-treino imediato até cerca de 45 minutos depois do treino.

É interessante notar que a partir das últimas duas décadas a evolução na nutrição esportiva é enorme. Novos nutrientes são descobertos, novas funções de cada nutriente no metabolismo são identificadas, produtos e suplementos diversos são desenvolvidos. O treinamento de força passa também a fazer parte da rotina dos atletas predominantemente aeróbios, enfatizando a importância das proteínas também para atividades de longa duração. Por sua vez, os atletas de força passam a reconhecer o papel do carboidrato também para o ganho de massa muscular. Técnicas de biologia molecular começam a revelar o detalhado funcionamento das enzimas presentes no músculo, que influenciam o treino, a recuperação ou o grau de desempenho. Complexas interações na bioquímica da célula muscular e do tecido adiposo são descobertas. O futuro da nutrição através da nutrigenômica, ou seja, o uso da informação genética para determinar os nutrientes específicos e o tipo de dieta que cada indivíduo necessita, se aproxima. O entendimento do corpo humano em movimento e submetido ao limite passa a ser finalmente decifrado.

 

Referencias bibliográficas

Bergstrom J, Hermansen L, Hultman E, Saltin B. Diet, muscule glycogen and physical performance. Acta Physiol Scand, Oct 1967; 71(2): 140-50.

Lancha Junior, A.H. Suplementação nutricional no esporte. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2009.

Williams MH. Vitamin supplementation and athletic performance. Int J Vitam Nutr Res Suppl. 1989;30:163-91.