As bactérias do leite materno

As bactérias do leite materno

Sim, o leite materno contém bactérias! E elas são muito desejadas, por mais estranho que possa parecer… Os micróbios do leite materno ajudam no desenvolvimento e amadurecimento do sistema imunológico do bebê, na resistência contra infecções e até mesmo na proteção contra o aparecimento de alergias e asma na infância!

AleitamentoO contato com essas bactérias da mãe é extremamente importante para o desenvolvimento infantil. Partos tipo cesarianas e o uso de leite artificial vêm contribuindo para o aumento de alergias e doenças mediadas pelo sistema imunológico devido à falta da exposição do bebê às saudáveis bactérias maternas. Então vamos entender um pouco melhor desse assunto:

Nós temos trilhões de bactérias no nosso intestino. Essas bactérias são chamadas de microbiota intestinal. Já foram identificadas mais de 500 espécies diferentes, sendo algumas muito saudáveis e outras nem tanto. Uma microbiota intestinal adequada depende de vários fatores, como nascimento por parto normal, aleitamento materno e consumo de dieta equilibrada. A microbiota equilibrada e saudável traz muitos benefícios para o ser humano:  

  • Produção de vitaminas (vitamina K, vitamina B12) para o nosso corpo;
  • Modulação do funcionamento do nosso sistema imunológico, diminuição de alergias e de doenças inflamatórias;
  • Regulação do funcionamento do intestino;
  • Formação de barreira intestinal para impedir a entrada de patógenos (os outros micróbios causadores de doença);
  • Melhora na absorção de nutrientes, tais como ferro, zinco e vitamina D;
  • Modulação do funcionamento do sistema nervoso (através do eixo de comunicação intestino-cérebro): emoções e comportamentos ligados à depressão, ansiedade, estresse, memória, aprendizagem, e até mesmo autismo;
  • Regulação da sensação de saciedade, do desenvolvimento da obesidade e do diabetes mellitus.

No entanto, fatores como uso de medicamentos, alimentação desbalanceada, estresse físico e/ou mental podem desequilibrar nossa população de bactérias do “bem” e do “mal” no intestino. E aí todos esses benefícios para a saúde podem ser perdidos!

Assim como no intestino, há também centenas de espécies de bactérias no leite humano, e há uma grande variação dos tipos de bactérias de mãe para mãe. O leite materno é um alimento probiótico por natureza! As bactérias variam desde o colostro e ao longo dos meses de amamentação, uma sabedoria impressionante para garantir ao bebê as melhores bactérias possíveis em cada etapa do seu crescimento.

E como as bactérias chegam até o leite materno? Os cientistas ainda estão descobrindo os mecanismos exatos e acreditam que existe uma conexão através das circulações sanguínea e linfática, desde o intestino da mãe até as glândulas mamárias. 

Até bem pouco tempo atrás, acreditava-se que era somente no trabalho de parto que o bebê entrava em contato por primeira vez com as bactérias maternas para formar a sua microbiota intestinal. No parto normal, sabemos que bebê é colonizado especialmente por bactérias saudáveis naturalmente presentes na vagina e na pele materna, diferentemente do parto cesárea. Nos últimos anos, a descoberta de bactérias maternas também no cordão umbilical, no líquido amniótico, nas membranas fetais e no mecônio de bebês saudáveis contraria a ideia que o útero seja um ambiente estéril. Os estudos recentes sugerem que desde o útero o bebê já está em contato com as bactérias da mãe. 

Ou seja, os tipos de bactérias que o feto encontra no útero da mãe, e não só no tipo de parto e no tipo de aleitamento (materno ou artificial), podem influenciar a programação metabólica que esse bebê terá ao longo de toda a vida! 

E parece que até mesmo a cólica do recém-nascido pode ter relação com a microbiota não saudável no intestino da mãe e consequentemente do bebê. A teoria dos pesquisadores é que uma microbiota não saudável no bebê pode alterar a junção das células intestinais, interferindo na motilidade e permeabilidade do intestino do bebê (através de processos inflamatórios, nervosos e/ou hormonais), podendo causar dores abdominais e cólicas no recém-nascido. 

Tudo isso ainda é muito novo na ciência, as hipóteses ainda estão sendo testadas para que possamos atuar tanto na prevenção como no tratamento de cólicas, alergias e doenças. Mas já sabemos que quanto mais saudáveis forem os tipos de bactérias no intestino da mãe e consequentemente no útero e no leite materno, melhor será o desenvolvimento do bebê, especialmente do seu sistema imunológico. 

E claro que sabemos que o leite materno é sempre superior a qualquer leite artificial, independentemente da microbiota materna. Sempre, sempre mesmo, o leite materno será o melhor alimento para o bebê independente da microbiota materna! E a ciência ainda está descobrindo como podemos melhorar ainda mais os tipos de bactérias do leite materno…

Sabemos que a variedade de bactérias saudáveis no nosso intestino diminuiu muito nas últimas décadas, principalmente pelo crescimento da urbanização e do uso de antibióticos. O alto grau de processamento/industrialização da nossa comida também interferiu na nossa microbiota. Não é de se surpreender que o tipo de bactérias no leite de mães de áreas rurais tende a ser mais saudável do que no leite de mães de áreas urbanas. 

A qualidade da dieta materna desde a gestação e consequentemente o perfil de bactérias do intestino da mãe modulariam quais os tipos de bactérias que fazem parte da vida uterina, do parto, do aleitamento e consequentemente da microbiota do bebê.

Se você quer ter bactérias saudáveis e transmitir ainda mais bactérias saudáveis pelo seu leite materno, cuide especialmente da sua dieta. O quê comemos alimenta as populações das nossas bactérias! E se queremos que o leite materno tenha colônias de bactérias das mais saudáveis que existem, cuidemos da dieta materna desde a gestação:

Caprichar nos alimentos naturais e ricos em fibras, especialmente as verduras, frutas e legumes naturais, os grãos integrais, a aveia, os feijões, os alimentos com nenhum ou menor grau de industrialização como os iogurtes naturais, poucos doces/açúcares e pouca farinha branca, pouca ou nenhuma fritura ou gordura hidrogenada, moderação no consumo de carnes e alimentos de origem animal são algumas dicas que podem ajudar na colonização e permanência da maior variedade de bactérias saudáveis na nossa microbiota intestinal. 

O uso de probióticos (organismos vivos ingeridos que conferem benefícios para a nossa saúde) na dieta materna desde a gestação e no pós-parto também pode ser indicado, dependendo do estado nutricional materno.  

Já sabíamos que a nutrição materna era fundamental para o crescimento e desenvolvimento do bebê durante a gestação e amamentação. Agora os estudos da microbiota ampliam a importância da alimentação saudável materna para várias outras áreas da saúde infantil. Cuidemos com carinho das nossas bactérias!

 

Referências:

Bode L, McGuire M, Rodriguez JM, Geddes DT, Hassiotou F, Hartmann PE, McGuire MK. It’s alive: microbes and cells in human milk and their potential benefits to mother and infant. Adv Nutr. 2014 5(5): 571-3.

Conlon MA, Bird AR. The Impact of Diet and Lifestyle on Gut Microbiota and Human Health. Nutrients. 2015;7(1): 17-44.

Funkhouser LJ, Bordenstein SR. Mom knows best: the universality of maternal microbial transmission. PLoS Biol. 2013;11(8): e1001631.

Liu X, Cao S, Zhang X. Modulation of Gut Microbiota-Brain Axis by Probiotics, Prebiotics, and Diet. J Agric Food Chem. 2015 16;63(36): 7885-95.

West CE. Probiotics for allergy prevention. Beneficial Microbes 2016 7:2, 171-9.